Conferência “Escravatura: Pessoa e Trabalho no Direito Português (1761-1878)”, Margarida Seixas (CEI – Univ. Lisboa) | 17 de Janeiro de 2008

17 de Janeiro de 2008 | 16.00 | ISCAP

RESUMO

O trabalho em curso e que vai ser apresentado é uma tese de doutoramento em Ciências Histórico-Jurídicas e analisa o regime jurídico do escravo e do liberto e as suas transformações durante os séculos XVIII e XIX.

Interessa compreender se o que justifica determinadas limitações previstas no regime jurídico – e até certa “equiparação”, ainda que imperfeita, aos homens livres, as restrições ao seu tratamento como “mera coisa”/res bem como a consagração de algumas “faculdades”, ainda que não direitos – é já a consideração do escravo enquanto “pessoa”, ou se, pelo contrário, é outra a ratio fundamental dessas normas.

 A legislação pombalina constitui termo inicial da investigação pois a mesma trouxe profundas alterações ao status quo, embora não se possa ainda inserir no processo abolicionista, que iria desenvolver-se no século seguinte.

O termo final é expressão do interesse em compreender qual a situação jurídica dos que foram sendo libertados, nomeadamente após a extinção formal da condição servil em todo o império colonial português, decretada por Sá da Bandeira a 25 de Fevereiro de 1869, que transformou em libertos todos os escravos ainda existentes, embora estes ficassem obrigados a servir os anteriores proprietários até 1878 (data depois antecipada para 1876 por lei de 29 de Abril de 1875).

Importa pois estudar o Regulamento de 21 de Novembro de 1878, que fixou o regime laboral nas colónias, consagrando, aliás, algumas das soluções já previstas na lei de 1875. Esta legislação permitia, por exemplo, sujeitar a trabalho obrigatório no serviço público (e com possibilidade de cedência a particulares), pelo período de dois anos, os indivíduos considerados vadios.

Levantavam-se então problemáticas que, com diferentes vestes, continuam presentes no início deste novo século, na velha Europa, pois volta a discutir-se a legitimidade do trabalho forçado penitenciário e alguns Estados, entre os quais Portugal, admitem o trabalho temporário e a cedência de trabalhadores, enquanto outros os punem como crime e alguma doutrina os equipara à escravatura.

Uma vez que se pretende compreender a transição do trabalho escravo para o trabalho forçado e para o trabalho livre, interessa estudar essa relação e contribuir com alguns elementos para responder de forma fundamentada a certas questões importantes sobre a especificidade do contrato de trabalho e os fundamentos histórico-jurídicos do poder directivo e do poder disciplinar.

O objectivo é ainda reflectir sobre alguns aspectos levantados a propósito da escravatura – e a partir dos quais se podem estabelecer pontes com problemas hodiernos – para ajudar a responder, numa perspectiva juris-historiográfica, a algumas questões muito actuais que se reflectem na possibilidade jurídica de pessoas livres poderem ser legitimamente sujeitas a trabalho forçado e a obrigações de contratar; na moderna “transmissão” do trabalhador como reificação da pessoa humana; no papel do Direito do Trabalho enquanto garantia de liberdade e futuro “espelho” dos Direitos Fundamentais.


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