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Entrevista a mynameisnotSEM

Sexta-feira, 6 de Agosto, Parque do Carregal

JK- Antes de tudo, muito obrigado por aceitares fazer esta entrevista!

SEM– Eu é que agradeço! (risos)

JK- Pedia só que começasses por falar um bocadinho do teu percurso e da tua prática atual.

SEM- Então eu sou Filipe. Sou o Sem, mynameisnotSEM. Comecei no graffiti com a tag Sem, com 15 anos, à volta disso. Depois deixei de fazer graffiti durante uns tempos. Quando entrei para a faculdade, para o curso de design, usei bastante as técnicas do graffiti, os sprays, os squeezers, nos meus cartazes de design, e a certa altura achei que podia fazer algo mais. Comecei com o projeto dos Deslembrados!

Fazia padrões de azulejos em não-lugares… A partir daí fui desenvolvendo a minha linha. Voltei ao projeto Sem, à assinatura, aliás. Acrescentei “my name is not” para especificar um bocadinho mais a pesquisa online e para me encontrarem melhor, no fundo.

Ok, voltei a esse projeto e a partir daí, houve uma fase de rutura onde deixei de usar stencil e comecei a pintar à mão livre outra vez. A desenvolver sempre situações dentro da geometria abstrata. Acho que cada vez mais está mais geométrico, antes era um bocado mais abstrato e menos geométrico.

JK- Então, o primeiro tema que queria falar contigo é de algo que aconteceu contigo e com vários artistas ao longo de anos mais recentes, que foi a passagem da criação nas ruas para um espaço de galeria. Porque sei que também mudaste as técnicas e as práticas quando isso aconteceu. Gostava que falasses um bocadinho dessa diferença, não só de temáticas, mas de formas e práticas também.

SEM- Essa passagem foi sendo gradual, no meu caso. Acho que até foi bastante precoce. Já no projeto dos Deslembrados fiz uma exposição, e quando fazia graffiti na rua também tive algumas abordagens em tela. Algumas telas com stencil, nessa altura. (…)

Na parte técnica há uma mudança da abordagem porque a galeria é um meio com padrões. Tem uma identidade diferente da rua, e eu enquanto artista não sentia que o acabamento ou que a abordagem técnica pudesse ser a mesma. Então comecei a usar novas técnicas, no meu caso a usar o stencil com papel, comecei a usar máscaras de vinil, o que me permite um acabamento quase perfeito, linhas muito bem recortadas. E mesmo a nível das tintas tenho alguma atenção em comprar marcas específicas e vernizes específicos. (…)

Depois, a nível visual. A galeria sendo um meio comercial tem uma exigência visual muito maior. Eu também procurei isso, porque na galeria o objetivo é vender. Se tu venderes, à partida, és bom e tens procura, e isso vai gerar mais convites, mais oportunidades de estar mais nesse meio.

Portanto foram duas exigências que procurei: era uma questão de refinar o acabamento, e mais exigência a nível visual que agora também ando a aplicar mais na rua. (…) Porque depois também há um terceiro ponto antes disso que é o digital. O digital possibilita-me coisas infinitas, ou perfeição infinita, e não posso dar demasiada perfeição aí e depois destoar na parede…. Do digital para a madeira ou para a fine-art é muito fácil de fazer a coisa relativamente parecida ou quase perfeita, mas depois na parede em escala é mais complicado.  E houve aí uma altura em que eu tive que começar a experimentar coisas novas, e materiais novos e fitas novas, para perceber como é que eu ia fazer aquelas curvas em grande escala funcionarem bem e ficarem perfeitas. Então foi aí que eu percebi que estava a falar então dessa discrepância entre o fine-art e as paredes e os paste-ups que são também uma das minhas grandes produções ou produção em mais escala.

E, então, comecei a perceber que tinha que transportar estas imagens mais exigentes também para a rua que é o que tenho feito mais ultimamente, se calhar nestes últimos meses. (…) Eu antes pensava nos posters como bombing. E nos stickers como tags. (…)

JK- Começaste a pôr mais ênfase em posters e práticas vistas por vezes como mais secundárias?

SEM- Mais ênfase no sentido visual sim, no sentido de exigência visual… Sim, sim. Tentar fazer coisas mais interessantes.

JK- Ultimamente tens criado umas peças quase esculturais, em madeira, que também têm uma estética e formas muito afinadas. Dirias que partem dessa procura?

SEM- Mais ou menos… Essas esculturas são um bocado anteriores. Aliás, foi exatamente o oposto! É que eu achei que as esculturas não eram assim tão fixes, tão complexas. Pelo menos essa fase de esculturas CMYK, achei que não eram assim tão complexas…

JK- Já falaste nessa ideia da estagnação. Naturalmente que foi um período de quebra com o ritmo de galerias que começavas a manter, e que também dificultou o trabalhar na rua, para muita gente. Como é que reagiste a essas mudanças que as diferentes fases de confinamento trouxeram?

SEM- Antes do primeiro confinamento, estava em grande produção de paredes, de posters, tudo. Estava a meio de um trabalho de um mural participativo com miúdos numa associação, e tivemos que parar o trabalho. Também comecei um mural na tarde antes do confinamento e acabei-o depois do primeiro confinamento.

Então o primeiro confinamento para mim foi altamente! Aquela fase de dezembro a março(…), é um bocado parada para trabalhos em exterior. Há muito menos abundância de trabalhos do que nos meses de verão ou de primavera. E, portanto, no fundo foram umas férias, ver filmes e séries, já não jogava um joguinho de computador aos anos!!

Depois passado 15 dias, já estava farto disso! Sabes que sou um bocado workaholic. Então tirei as bicicletas da arrecadação e fiz um miniestúdio lá, ou seja, um sítio que dava para eu ir pintando, e produzi duas ou três ou quatro peças…

As exposições… eu estava a começar a desenhar as exposições e cancelaram-mas. Eram duas exposições para o 1xRun, uma ia acontecer em Maio e a outra em Novembro, e cancelaram-me as duas. Eu estava a começar a desenhar, porque às vezes descontraio um bocado e como produzo rápido também não tenho grandes preocupações com timings. O cancelamento se calhar foi esse o primeiro sinal de que qualquer coisa estava errada ou qualquer coisa ia correr mal.

Então, depois dos primeiros 15 dias comecei a pintar em casa e comecei a pensar que, “Ok, primeiro que dê para voltar à rua vai ser um bocado complicado” … Recolher obrigatório, se tu já estás a fazer alguma coisa ilegal na rua, depois do recolher obrigatório ainda se torna um bocado mais caricato num encontro com a polícia ou então até com outros cidadãos que te queiram dar uma lição de moral.

E foi daí que comecei a ficar um bocado cansado de estar em casa. Comecei a perceber que tinha que voltar ao trabalho, mas quando acabou o primeiro confinamento é que a coisa foi grave, porque começaram a chover os cancelamentos. Começou-se a perceber que não iam acontecer festivais, feiras, tudo… Começou-se a perceber que não ia acontecer nada. Adiaram a maior parte dos trabalhos… E também foi aí, que, se calhar, estagnei mais. Porque durante o primeiro confinamento ainda fiz vários projetos, alguns ainda estão adiados, outros já aconteceram, mas ainda fiz alguns projetos, por exemplo o casaco da Ziggy Lloyd. (…) 

Também não te convidei para vir [ao Parque do Carregal] por nada, é porque é muito importante para mim vir a estes sítios de natureza desenhar e ver algumas coisas. Às vezes vou ao Palácio de Cristal, ao parque da cidade. É muito importante para mim, e a partir do momento em que cancelaram o poder estar. Meteram as fitas às voltas dos bancos e não podias estar sentado no banco, não podias permanecer, só circular no Jardim Público. A partir desse momento foi também um bloqueio de criatividade para mim, o não poder estar no espaço onde tu projetas coisas, que é a rua. O espaço público.

Por outro ponto, a Street Art também mostrou a sua importância enquanto museu a 24 horas, a céu aberto, disponível para todos!

JK- Essa era a minha pergunta seguinte! Achas que a pandemia veio mudar a forma de ver a Street Art?

SEM- Eu ia dar passeios com a minha irmã, íamos até ver os murais a Matosinhos. Na altura não sei se tinham acabado de pintar a pouco tempo o mural da SEAT, do [Draw] e do [Contra], lá em Matosinhos. Não sei se pintaram esse mural durante o confinamento… Sei que nós durante o confinamento fomos lá ver esse mural a pé e andamos a ver murais. A Street Art revelou o seu potencial enquanto museu 24 horas!

JK- Sim, absolutamente! Aliás, queria perguntar especificamente por isso. Tu achas que o facto de teres essa componente também de intervenção na rua foi uma mais-valia, durante estes tempos de pandemia, permitiu-te de alguma maneira continuar uma prática de uma forma mais ou menos regular ou foi até um entrave?

SEM- Acho que foi um entrave. Eu tinha à volta de 20 posters para meter. Daqui a um bocado, estou a fazer posters melhores e aqueles vão parecer antigos. Não poder trabalhar na rua, mais ou menos livremente foi mau.  Por questões de igualdade e cumprimento das regras, optei por não ter grande atividade na rua durante esse tempo.

JK- Achas que a maneira como a pandemia nos afetou, neste vai-não-vai de vagas sucessivas, modificou a maneira como as pessoas olham para a Street Art? Tu já falaste um bocado dessa questão de que tu e a tua irmã saiam e iam ver murais e peças, mas achas que, de forma geral, as pessoas começaram a notar mais isso? Ou que foi simplesmente uma coisa que ignoraram, na mesma?

SEM- Nós somos entusiastas, por isso somos um nicho.  Agora, não tenho a certeza se as pessoas estão muito contentes ou não com a Street Art neste momento. No sentido de isto ser uma pandemia sanitária e social também…

Não sei, mas por outro lado, quando há estas questões de crises financeiras, a cultura é a primeira coisa de luxo a ser ignorada… Tu calças sapatilhas, mas podes deixar de ir ao cinema, ou ao circo… São as primeiras coisas a sofrer. E a arte, acho que é igual!  Comprar uma obra ou ir a um festival começam-se a tornar coisas supérfluas. Se calhar, comprar uma peça é a primeira coisa que se torna supérflua. Num concerto gostas sempre de ir e de beber umas cervejas com os amigos, agora uma obra para ficar lá em casa? Não sei, fico na dúvida se esta pandemia vai ajudar ou não.

JK- Mas achas que, exatamente por causa dessa ideia do museu a céu aberto, a Street Art, principalmente na vertente na vertente ilegal, não comissionada, também pode ser um bocado uma resposta a isso? A ideia de que, já que não se investe em cultura, então vamos criar mais um bocado também de forma a motivar mais criação?

No geral, achas que ainda há espaço, principalmente num mundo pós-pandemia, para arte ilegal? Ou achas que cada vez mais vai haver um foco na rentabilização dessa prática como produto?

SEM- Espaço acho que há sempre! Até porque cada um pinta por razões próprias. Há quem pinte por adrenalina, há quem pinte porque gosta de ver esse sítio pintado, sei lá! Cada um tem a sua razão.

E acho que é o que as pessoas vão continuar a fazer. Não sei se teria tanto a questão da rentabilização do produto noutro contexto comercial ou se teria mais a questão da despromoção visual. Se começar a ficar mais apertado fazer as coisas, se calhar pode é começar a deteriorar-se a qualidade visual das coisas. Agora elas deixarem de aparecer, acho que não deixam! Acho que espaço para expressão ao ar livre no espaço público vai haver sempre! (…)

JK– Para acabar, queria perguntar o que é que tiraste destes confinamentos, ensinamentos, ou coisas de que te foste apercebendo ao longo destes últimos meses.

SEM- Não sei, acho que talvez, a nível de processo, consegui perceber mais a necessidade de ter breaks para fazer coisas. Coisas à parte de desenhar. Não é breaks como este que eu vim aqui, saí do estúdio, e vim desenhar para aqui. Não. É mesmo ir dar uma volta à serra ou ao rio, sair um bocado aqui da zona onde tem mais de 50 carros por quilómetro quadrado e ir para uma zona mais calma, sem aviões, se calhar… Uma tarde, 4 horas… Comecei a perceber a necessidade desses breaks, a nível pessoal e fisiológico também. Antes da primeira pandemia acho que estava a trabalhar demasiado. Estava a trabalhar sábados, domingos, feriados, parava de vez em quando um dia… A maior parte das vezes até era a meio da semana.  E comecei a sentir a necessidade de dar essas voltinhas e sair para ir buscar outras inspirações ou até para fazer um “detox” ao corpo ou da cidade, um bocadinho. Sim essa se calhar foi das coisas principais que retirei. Ó pá, estava muito acelerado o ritmo antes da pandemia… 2020 ia ser grande ano, tinha muitas coisas a acontecer.

JK- Acho que para todos….

SEM- Para todos, sim! Percebi que, também se calhar, a acontecer iria ser um desgaste também emocional para o outro lado, não para este lado que foi, mas para o outro lado. Mas também que ia ser gigantesco e naquela metodologia de trabalho que andava a ter não iria ser muito feliz durante muito tempo.

JK- Pois, definitivamente acho que uma das coisas que a pandemia veio trazer, não tanto a nível artístico, mas mais a nível pessoal, para todos, foi muito essa noção muito clara de que a saúde mental é uma coisa relativamente frágil e que é preciso ter equilíbrio. Eu acho que a pandemia pôs isso em evidência.SEM- Acho que pandemia e Street Art não funcionaram juntos! E confinamento também não funcionou, no sentido de ter tempo livre não ser sinónimo de ter de fazer algo, ou ter de estar criativo nesse tempo livre. Porque aquilo não foi bem tempo livre, foi a obrigatoriedade de tempo livre. Pronto acho que é isso! Ter tempo livre revelou-se não ser sinónimo de ter de se fazer algo ou de estares inspirado a fazer algo, porque o contexto muda tudo.

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